A cena é um clássico do começo de ano nas escolas de todo o mundo. Enquanto algumas felizardas recebem apenas um aceno de longe, outras mães, tentando deixar as crianças, enfrentam choro e ranger de dentes de desespero. Quem não conhece uma criança que parece birrenta? Ou que segue dormindo na cama dos pais depois de grande? Nossas lembranças de uma infÁ¢ncia plenamente feliz são filtros. Crescer e adaptar-se ao mundo é essencialmente angustiante, o que causa ansiedade. Mas, quando a criança não relaxa nunca, não quer sair de casa, não consegue ficar sozinha, sua ansiedade pode ter se tornado doença.
A ansiedade é uma das patologias psiquiátricas mais comuns nas crianças, atrás apenas dos Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e de conduta. Cerca de 10% dos pequenos sofre de algum transtorno ansioso, e cinco em cada dez passarão por algum episódio depressivo por causa dela. Á‰ necessário estar atento, também, Á ansiedade que não chega a ser um transtorno, mas que traz sofrimentos e prejuÁzos cotidianos, como diminuição da autoestima.
O Manual Diagnóstico e EstatÁstico de Transtornos Mentais (DSM-V) tem um novo olhar sobre os quadros psiquiátricos em geral, em particular os de ansiedade. Antes, separavam-se os de inÁcio especÁfico na infÁ¢ncia; hoje, estão todos catalogados sem divisão de faixa etária. Isso significa que os transtornos presentes em crianças e adolescentes não são mais vistos como menos graves.
Os mais frequentes na primeira fase da vida são o transtorno de ansiedade de separação, o transtorno de ansiedade generalizada e as fobias especÁficas (medo de animais, de avião, de elevador¦), seguidos pela fobia social e o transtorno de pÁ¢nico. Apesar da existência de um quadro clÁnico para cada um, a maioria das crianças apresentará mais de um transtorno ansioso “ a chamada comorbidade.
Quando ansiedade é doença?
A terapia cognitivo-comportamental (TCC), que tem eficácia comprovada no tratamento de distúrbios ansiosos, vê que os indivÁduos com ansiedade percebem o mundo como um lugar perigoso, que exige constante vigilÁ¢ncia. Além disso, são sensÁveis demais a estÁmulos que sugerem reprovação, e sofrem de autocrÁtica exagerada.
Coordenador do Programa de Transtornos de Ansiedade na InfÁ¢ncia e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das ClÁnicas da FMUSP, Fernando Ramos Asbahr compara a percepção do ansioso a um sensor desregulado de incêndio, que alaga um prédio inteiro por conta de um riscar de fósforo. œA ansiedade pode até atrapalhar o desenvolvimento, mas o problema é quando altera o dia a dia. A criança não consegue ir para a escola, não entra numa loja, tem problemas de convivência, afirma.
Pais nervosos, filhos ansiosos
Tanto por caracterÁsticas do ambiente em que são criados quanto pela herança biológica, a ansiedade dos pais tem influência crucial na saúde dos filhos. œO maior fator de risco de uma criança ou adolescente é ter um pai ou mãe ansioso, diz Asbahr. Há casos em que os pais sentem-se fragilizados frente Á prole, e acabam não segurando a barra de ser um ponto de referência e segurança. Á‰ também por isso que o envolvimento dos pais na terapia é fundamental para o sucesso do tratamento.
No transtorno de ansiedade da separação, os adultos têm um papel determinante. Com aparecimento precoce, ele é caracterizado pela dificuldade da criança em ficar sozinha e se adaptar na escola, incompatÁvel com o seu nÁvel de desenvolvimento. Os sintomas, que acometem principalmente crianças na faixa dos 6 a 8 anos, caracterizam-se por preocupações excessivas quanto aos perigos que envolvem os pais ou a si próprio, relutÁ¢ncia em estar desacompanhado deles e a dificuldade em adormecer ou dormir fora.
œO pai ou mãe ansioso, que acha que o filho vai sofrer na escola, deixa o filho ansioso, diz Asbahr. Por outro lado, ele afirma que, em certos casos, a ansiedade auxilia no diagnóstico. œPais que sofreram na infÁ¢ncia pensam ˜eu sei o que ele está sentindo, eu tinha isso™. Se a pessoa teve prejuÁzo pela ansiedade, vai sentir empatia, e isso é bom.
Usar técnicas de relaxamento e respiração com os pequenos, expor devagar os filhos a circunstÁ¢ncias diferentes e, principalmente, não se zangar, mas trabalhar em conjunto com as crianças para superar as dificuldades são dicas importantes para os pais.
Fonte:Â http://saude.abril.com.br